Já fui muito religioso, e hoje, ao tentar exercer minha fé, ainda me esbarro nos resquícios da minha ignorância.

Porque como disse, era religioso e não espiritual.

Procurei de todas as formas me reerguer, mas o peso da minha consciência me acusava, e fazia com que eu diminuísse o poder do sangue de Jesus, colocando-o à prova mediante os meus delitos.

Tudo isso aconteceu pelo simples fato da prática religiosa ter me cegado; o neo farisaísmo adotado pela soberba do meu exclusivismo me corrompeu.

Aprendi da forma incorreta, e quando me dei conta, já era tarde, a religiosidade já tinha me tomado pela mão direita, a minha destra traiu-me e fez com que eu imaginasse que estava assentado à direita do Pai.

Que prepotência a minha, imaginar que estava no mais alto lugar, de onde olhava e via os “simples mortais” abaixo de mim.

Essa era a minha maneira de viver, repetindo a "cantiga'', em verso e em prosa, amaldiçoando e maldizendo os que não pensavam e nem procediam como eu, e quando me dei por conta do que havia me tornado, eu já estava perdido.

Por esse motivo desprezei a muitos, e a muitos condenei ao inferno; lugar que hoje me assombra. Me atemoriza saber que, alguns deles já se foram, com aquela má impressão sobre mim, na verdade, com ódio, desprezo, e rancor.

Eu era um tipo de Paulo de Tarso, reverso, pois era um "cristão" perseguidor de cristãos, é claro, porém, sem a sabedoria Paulina. Porque, na verdade, eu não sabia diferenciar um cristão de um não cristão, pois eu achava que somente eu e meus patrícios eram cristãos.

Mas o interessante dessa perseguição é que, não era como na igreja primitiva(não havia derramamento de sangue), apesar das minhas atitudes parecerem ser primitivas.

Olhares, fuxicos, o menear da cabeça, condenação, exclusivismo, descaso(como aquele que corta volta de alguém) esse era o tipo de perseguição do Paulo reverso. 

Total infantilidade e imaturidade na fé, tempo perdido em perseguição que, não foi aproveitado em adquirir conhecimento, ou melhor, se aproximar do Pai.

Hoje vejo alguns daqueles que por mim foram perseguidos(os que sobreviveram), alguns na sarjeta, outros sem esperança, sem ao menos alguma expectativa de vida, marginalizados pela minha ignorância que apliquei na defesa dos meus usos e costumes.

Mas agora, aqueles que caminharam comigo no caminho de Damasco, não me reconhecem mais. Sorriem e se banqueteiam como se nada houvesse acontecido, é o que vejo.

Muitos deles são capazes de pisar na lápide dos seus condenados sem nenhum remorso, são frios, e sem escrúpulos; a religiosidade aflorada no seu peito não o deixa enxergar novos horizontes espirituais.

Meu coração se dilacera, só de pensar no tempo perdido, nas decisões erradas, nos desacertos que ainda refletem no meu cotidiano, porque agi erroneamente, e o meu ser não se escusa disso.

Toda a ação tem uma reação e toda a atitude uma consequência; sofri as reações e tenho colhido as consequências.

Eu tinha um nome, que se desvaneceu no meio da jornada, se esqueceram, ou ainda, quando lembram, dão de ombros.

Tudo se tornou mais difícil, porque volta e meia as lembranças vêm.

Quando olho aquelas pessoas no caminho de Damasco, tento alertá- las sempre em vão, porque não me ouvem. É como se tivesse um abismo entre eu e elas.

Esse é o relato de alguém que aceitou a fé sem compreendê-la, se institucionalizou e esqueceu do mais importante, que é a própria fé. Se colocou acima da justiça, e do dono da justiça, se intitulou santo, quando na verdade o que existia era uma santidade engessada, egoísta e perversa.

Mas agora, aprendeu que suas atitudes o isolavam da sociedade, e que a perfeição não existe, e que a maior das virtudes é o amor.

Sendo assim, agora ele produz frutos de caridade, ele ama, perdoa, abraça, carrega no colo e quando percebe que alguém está tomando o rumo que no passado ele trilhou, faz de tudo pra mudar essa mentalidade, pois agora entende que tudo depende do amor.





Por Carlos Literato